Surdos gritam contra o preconceito e destacam a resistência no Dia Municipal do Surdo

por Ana Paula publicado 28/09/2022 14h20, última modificação 28/09/2022 15h00

A Câmara Municipal de Jaboticabal, por meio da Escola do Legislativo, realizou na noite de segunda-feira (26/09) uma rodada de palestras sobre a “Valorização da Resistência da Pessoa Surda” em comemoração ao Dia Municipal do Surdo, instituído pela Lei nº 4940/2018, de autoria do vereador Dr. Edu Fenerich.

O evento, realizado de forma bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, foi aberto pela diretora da Escola do Legislativo, Silvia Mazaro, que sinalizou em LIBRAS para o público surdo, interpretada em língua portuguesa pela servidora da Casa, Virginia Antonino. “Boa noite, eu sou a Silvia, e este é meu nome em Língua de Sinais [em referência ao sinal feito], e estou aprendendo a Língua Brasileira de Sinais com a Virgínia”.


Presidente da Câmara, Renata Assirati, durante seu pronunciamento na abertura do evento.

Na sequência, a presidente da Casa, Renata Assirati, destacou o curso de LIBRAS, idealizado pelo vereador Dr. Edu Fenerich em 2018 e oferecido gratuitamente desde então pela Câmara Municipal por meio da Escola do Legislativo. “Com este curso, estamos diminuindo fronteiras, fazendo efetivamente o papel de ampliar oportunidade lá fora. O papel de inclusão na nossa sociedade. Ainda há muitos desafios a serem enfrentados”, manifestou Renata Assirati, que chegou a sinalizar em LIBRAS o seu “boa noite” aos convidados e público.

MAIS EMPATIA – O pedagogo Fabio Morita abriu a rodada de palestras para expor sobre “A importância da Língua Brasileira de Sinais”. Morita explicou, em língua de sinais interpretada em língua portuguesa por Renato Ferreira Junior, que “ao contrário do que muitos imaginam, que LIBRAS são gestões soltos, simplesmente mínima, mas não! É uma língua com estrutura e gramática próprias... A utilização da LIBRAS é uma forma de garantir a preservação, valorização e reconhecimento da cultura surda. Imagine vocês, viajando para os Estados Unidos e não sabendo falar inglês. É difícil!... Mas logo você volta pro seu país e começa a conversar, comunicar em uma língua de conforto. Nós, surdos, moramos aqui no país, e vivemos todos os dias a falta de comunicação. É muito bonito ver o movimento de inclusão, mas de nada adianta se não souber utilizar a LIBRAS. A nossa luta é por comunicação. Queremos nos comunicar na família, na educação e na sociedade”, defendeu o pedagogo, que perdeu a audição na infância.


"... É muito bonito ver o movimento de inclusão, mas de nada adianta se não souber utilizar a LIBRAS. A nossa luta é por comunicação." - Fabio Morita durante a palestra.

A pedagoga bilíngue Aline Barbosa Nunes, também surda desde a infância, chamou a atenção para as dificuldades diárias enfrentadas pelos surdos por conta da barreira da comunicação. “Não temos um ensino acessível em nossa língua [LIBRAS]. A oportunidade de fazermos novos amigos e nos desenvolvermos academicamente nos é tirada. Isso é justo? Quando sentimos dores ou mal estar, precisamos ir ao médico, certo? E nem sempre temos alguém pra nos acompanhar. Chegamos, tentamos explicar o que estamos sentindo. O médico faz aquela consulta rápida, nos entrega um papel com nome de remédios e voltamos pra casa, sem saber o que temos e como tomar aqueles remédios... muitas vezes tomamos o remédio sem saber para que serve. Isso é justo?... Estudamos, nos formamos, pois somos capazes, e queremos um trabalho efetivo... Em família sofremos também com a falta de comunicação... Nós surdos estamos em todos os lugares, mas não somos percebidos. Somos seres humanos iguais a vocês [ouvintes]. Nós, surdos, apenas não ouvimos, porque nossos ouvidos não funcionam como a sociedade quer. E oportunidades nos são tiradas. Nós somos resistência. Lutamos todos os dias por igualdade de direitos e oportunidades”, desabafou Aline em LIBRAS, com interpretação em língua portuguesa por Virginia Antonino.

É assim que diariamente cerca de 340 mil surdos, conforme dados do censo de 2010, vivem pelo país afora. Em Jaboticabal, de acordo com o mesmo censo, 105 pessoas não conseguiam ouvir de modo algum, ou seja, eram surdas; 697 pessoas tinham grande dificuldade auditiva, e 2.823 pessoas tinham alguma dificuldade auditiva.


Aline Nunes finaliza seu discurso agradecendo pela realização do evento, em comemoração ao Dia Municipal do Surdo.

Apesar da sociedade caminhar a passos lentos na introdução da Língua Brasileira de Sinais em seu cotidiano, há quem busque mais do que incluir: garantir acessibilidade. É o caso de Leandro Garcia, técnico de segurança do trabalho na empresa Arca Retentor, que cursou os módulos de LIBRAS oferecidos gratuitamente à comunidade pela Escola do Legislativo da Câmara. Garcia destacou a importância das empresas abrirem suas portas para a inclusão, de modo que todas possam atender a população surda na medida das suas necessidades, sem distinção. Para ele, aprender LIBRAS “... foi uma forma de quebrar as barreiras da comunicação em nossa empresa, facilitando a integração social, afinal, ter a sensação de sentir excluído por não conseguir entender uma conversa, é desconfortável para qualquer indivíduo. Além disso, saber se comunicar por meio da Libras garante o respeito ao surdo como colaborador e principalmente, como cidadão.”, manifestou Garcia, que finalizou seu pronunciamento sinalizando em LIBRAS: “Obrigado! Eu amo vocês! Deus Abençoe”.


Leandro Garcia, ex-aluno do curso de LIBRAS da Escola do Legislativo, durante seu pronunciamento dirigido ao público surdo.

HOMENAGEADOS – No evento, 11 surdos receberam diplomas comemorativas pelo Dia Municipal do Surdo: Aline Barbosa Nunes, Caique Cardoso de Faria, Fabio Morita Inagaki, Jeferson Araújo, Keila Tainá dos Reis, Natalia Fideliz Martins, Patrícia Teixeira, Tainá Beatriz Tavares, Talis Pagliuso, Tatiele Previtale e Vitória Rocha.

A cada biografia apresentada, o público surdo que acompanhava as histórias do espaço do Plenário destinado aos visitantes, também se emocionava, numa clara autovivência da luta diária enfrentada por eles.


Homenageados com autoridades no evento em comemoração ao Dia Municipal do Surdo.

RESISTÊNCIA – Keila dos Reis, que foi escolhida para se pronunciar em nome dos homenageados, descortinou a sua vida ao público. A jovem chamou a atenção para a importância de ações e incentivo à população surda, bem como contra o preconceito racial. “Fiz questão de contar a minha história para vocês porque cada surdo aqui presente passou por tudo que passei. Nossas histórias são parecidas e eles como eu, somos VITORIOSOS... Imaginem vocês: eu vivencio dois preconceitos, o da Surdez e o da cor da minha pele, mas estar aqui hoje, nessa Tribuna, percebo que valeu a pena cada obstáculo superado”, disse a jovem.


"... eu vivencio dois preconceitos, o da Surdez e o da cor da minha pele, mas estar aqui hoje, nessa Tribuna, percebo que valeu a pena cada obstáculo superado” - Keila dos Reis durante seu discurso em nome dos homenageados.

Em seu pronunciamento, Keila destacou o papel da família na evolução dos seus filhos, e fez um discurso emocionado para sua mãe, que também acabou emocionando o público.  “Quero agradecer a minha mãe, Jaqueline, por nunca ter desistido de mim! Mesmo muito preocupada com minha segurança, me incentivava todos os dias, e não me permitia desanimar. Com frio, com chuva, lá estava minha mãezinha, acordando bem cedinho, antes do sol sair, para me levar para a rodoviária [que partia de Pitangueiras para Jaboticabal, onde a jovem estudava]”, compartilhou Keila.


Presidente da EL, e autor da Lei que criou o Dia Municipal do Surdo, Dr. Edu Fenerich, durante seu pronunciamento.

Por fim, o presidente da Escola do Legislativo, e autor da Lei que instituiu o Dia Municipal do Surdo em Jaboticabal (Lei nº 4940/2018), Dr. Edu Fenerich, resgatou o contexto histórico das lutas e conquistas da comunidade surda, bem como sobre o uso da cor azul, que representa o Orgulho Surdo. “O mês de setembro é um mês especial para a comunidade surda. Um mês voltado para a conscientização sobre a acessibilidade e a comemoração das conquistas obtidas pela comunidade surda ao longo dos anos. E ainda um reforço da luta por mais escolas bilíngues para surdos... [e a busca por] uma sociedade sem barreira comunicacional e que respeite a Língua Brasileira de Sinais e a cultura surda”, discorreu o parlamentar.


Vice-presidente da APÁS, Jonas Carnevalli, em seu pronunciamento no evento.

O vice-presidente da Associação de Pais e Amigos de Surdos (APÁS), instituição filantrópica que promove habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência auditiva e seus famílias, Jonatas Carnevalli, também ocupou a Tribuna e destacou a importância da inclusão e do aprendizado da Língua Brasileira de Sinais. A íntegra do evento está disponível no canal da Câmara Municipal de Jaboticabal pelo YouTube (https://www.youtube.com/CamaraMunicipaldeJaboticabal).



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